quinta-feira, 4 de junho de 2015

O cérebro transgender


Bruce Jenner na capa da 'Vanity Fair'

Não me agrada quando tentam justificar todo tipo de comportamento humano pela genética ou neurociência, principalmente quando as evidencias são escassas. O caso do cérebro transgender cai nessa categoria e, para não surpreender o leitor, aviso que esse é apenas o começo das pesquisas nessa área.
Sabe-se que a identidade sexual tem origens embrionárias, no balanço de certos neurotransmissores durante o desenvolvimento neural. Cérebros masculinos e femininos são anatomicamente e funcionalmente distintos. Na verdade, tudo é muito mais fluido e menos polarizado. Alterações, por menores que sejam, nesse período do desenvolvimento, têm como consequência um cérebro mais feminino ou masculino.
Nosso cérebro é um espectro sexual, que se revela mais feminino ou masculino em diversas situações. Na maioria dos casos, o cérebro tende para um dos lados. Identidade sexual é mais complexo do que sexo em si, o sistema binário de reprodução, aonde produtores de esperma são considerados machos e de óvulos, fêmeas. No sexo, qualquer situação não binaria, intermediária, seria menos eficiente do ponto de vista evolutivo (existem exceções na natureza, certas espécies de formigas possuem três ou até mesmos quatro tipos de sexo). O mesmo não pode ser dito sobre a identidade sexual.
Mas qual seria a pressão evolutiva para esse espectro de identidade sexual é ainda um mistério. Pode ser que simplesmente não descobrimos ainda vantagens no cérebro transgender, pois nossa sociedade reprime qualquer identidade sexual que não condiz com o sexo do indivíduo. Talvez pessoas bi-gender tenham mais flexibilidade em situações que requerem ora a parte mais racional, ora a parte mais sensitiva, por exemplo. Por outro lado, esse espectro pode ser apenas consequência de um cérebro humano mais complexo. Simplesmente não sabemos.
O pouco que se sabe sobre o cérebro transgender vem de pesquisas feitas com ressonância magnética, sugerindo sutis alterações estruturais no córtex e em certas conexões nervosas. Um dos mecanismos propostos seria através do BDNF (Brain-derived neurotrophic fator), um fator responsável pela maturação de redes nervosas e que estaria alterado durante o desenvolvimento do cérebro de pessoas com identidade transgender. Porém, tratamentos experimentais com o objetivo de “curar” pessoas com crise de identidade sexual baseado em modulação de BNDF não parecem muito promissores até o momento.
O cérebro transgender é um assunto que tem intrigado os neurocientistas por diversas décadas, mas nunca foi estudado com rigor. O fenômeno em si não é novidade na ciência (existem relatos até na Bíblia).
Recentemente, a mudança de sexo do medalista olímpico americano Bruce Jenner (que agora se chama Caitlyn) tem causado alvoroço, em parte pelo interesse (é o padrasto das Kardashians), mas principalmente porque decidiu usar dessa exposição para dar voz a uma condição polêmica,que atinge milhares de pessoas no mundo e que tem sido ignorada por muito tempo.
A atitude de Bruce pode ter um impacto mundial, instigando a pesquisa nessa área e contribuindo para uma melhor aceitação dos diversos tipos de sexualidade humana. Se conseguir, Bruce vai ofuscar sua própria imagem de medalhista olímpico ao mostrar que é possível viver duas vidas com identidades sexuais diferentes.

Fonte: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/blog/espiral/post/o-cerebro-transgender.html

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